sábado, 18 de junho de 2016


Campo de Sete Rios (1913 - 1917)




A ida do Benfica para Sete Rios determinou a conquista de novos adeptos noutra área da cidade, bem como a existência de espaço para introduzir no Clube novas modalidades: o Ténis, a Natação e o Pólo Aquático. Em 1908, quando se soube que não havia capacidade financeira para renovar o contrato de arrendamento na Quinta da Feiteira, os dirigentes encetaram diligências com vista à resolução do problema. Mas só em finais de 1912, muito por acção de Cosme Damião, foi possível alugar-se um terreno (por 250$00 anuais, pagos em duas prestações).

Este terreno, de nome Quinta Nova, pertencia à Casa Palmela, da qual Cosme Damião era o secretário. O Benfica mudava-se, então, para um local onde o futebol dominava, já que, na mesma área, existiam dois outros campos, ambos inaugurados com a participação do Benfica: o de Palhavã, propriedade do SC Império (inaugurado em 29/10/1911, com vitória do Benfica sobre o clube local, por 2-1) e o das Laranjeiras, pertença do Internacional (CIF) - inaugurado em 01/12/1911.

Para a aquisição e adaptação do terreno da Quinta Nova a campo de jogos, o Benfica fez uma subscrição aberta, no Clube, para angariação de fundos. Alugado o terreno (em 01/01/1913) - junto ao apeadeiro de Sete Rios, na linha de cintura interna dos caminhos-de-ferro (com entrada pela Estrada de Palhavã) -, iniciou-se, desde logo, o processo de preparação das obras, com a elaboração do projecto do campo (ainda sem incluir  bancadas) e com a angariação de fundos especiais para fazer face à despesa extraordinária  de limpeza e arranjo do terreno, tendo em vista a sua conversão em parque desportivo.

O entusiasmo era grande mas... o dinheiro escasseava

Era, por isso, necessário conciliar estas duas realidades - começar a trabalhar praticamente  sem dinheiro e, na medida dos possíveis, procurá-lo com rapidez. Resolveu-se, assim, contar especialmente com o apoio dos benfiquistas, não só no fornecimento de mão de obra, mas, também, através duma subscrição de carácter voluntário, participando cada um conforme as suas posses. O entusiasmo nunca faltou. Mercê dele, foi possível iniciar as operações de arranjo do terreno, com o natural ensejo de o tornar melhor do que todos os que já existiam em Lisboa. O lema foi: "para a frente!". E poucos sócios faltaram à chamada.

Estatuto de mais popular entre todas as agremiações desportivas portuguesas

Em pouco tempo, transformava-se um terreno agrícola num amplo espaço, com um piso preparado para dar lugar a um campo desportivo. A operação marcou uma fase de grande estímulo no seio do Clube, que alcançara já o estatuto de mais popular entre todas as agremiações desportivas portuguesas. Foi assinalável o esforço da massa associativa - por meio do que mais estava ao seu alcance (o trabalho ou, mesmo que pouco, o dinheiro). A circunstância deu origem a uma espécie de "febre colectiva". Directores, atletas, sócios contribuintes, ou apenas simpatizantes do nosso clube e das nossas equipas, todos se envolveram num grande esforço de cooperação.

Em certos domingos, quase não se parava ou descansava. De manhã, acarretavam-se pedras, arrancavam-se plantas e cortavam-se arbustos; depois seguia-se o almoço popular, de confraternização - geralmente uma "bacalhauzada" com batatas; mais tarde, se alguma das nossas equipas jogava, dava-se a desfilada para o terreno onde se efectuava o desafio; e por fim, no termo de mais uma jornada, extenuados mas sem desfalecimentos de ânimo, lançavam todos a uma só voz: "Viva o Benfica!".

Nas duas épocas que intercalaram a saída da Feiteira (1911) e a inauguração de Sete Rios (1913), o Benfica utilizou o campo de Palhavã (em 1911/12) e das Laranjeiras (em 1912/13) para realizar os seus jogos "em casa", a contar para o Campeonato Regional de Lisboa. E a verdade é que o uso de campo alheio não afectou o desempenho da equipa, que conquistou dois títulos durante o período em questão. Quando  começaram os treinos de preparação para a época de 1913/14, já foi possível utilizar o campo de Sete-Rios. E foi com alegria e confiança que se aguardou a homologação por parte da Associação de Futebol de Lisboa (AFL).

Em 12/10/1913, perante cerca de 5 000 pessoas - número, na altura, muito pouco habitual em actividades desportivas -, a AFL abriu a época de 1913/14. No jogo mais importante, para o Regional de Lisboa, o Benfica recebeu e venceu o Sporting, por 4-0. O novo campo causou mesmo algum pasmo, pela celeridade da sua construção e pelo seu enquadramento: ao fundo do recinto de jogo, construíra-se um "chalé" de madeira, estrategicamente colocado junto a uma nora, onde o Benfica tinha as instalações de banhos e "toilette".

Finalmente um campo com bancadas

Na sentido de facilitar e alargar a acção da colectividade, sentiu-se a necessidade de introduzir no novo campo todos os melhoramentos possíveis, em particular as bancadas (já antes pretendidas para a Quinta da Feiteira), com vista a oferecer melhores condições aos espectadores e aumentar os níveis de assistência. Para o financiamento, optou-se pela emissão de 150 títulos de empréstimo (no valor individual de 10$00), adquiridos pelos associados. Em 11/04/1915, após o embelezamento de todo o espaço, o Benfica, então com 11 anos de actividade, tinha finalmente um campo com bancadas!

Em 29 de Maio do mesmo ano, foi inaugurado o primeiro "court" de ténis, igualando-se outros clubes elitistas que gostavam de exibir o seu "lawn-tennis", com a particularidade de o espaço benfiquista ser de acesso a todos os associados. No ano seguinte, aproveitando o antigo tanque de regas, introduziu-se a natação e o polo-aquático no Clube! No futebol, o Benfica continuou a conquistar títulos e torneios, mostrando cada vez mais que era o melhor clube português - 3 títulos regionais (13/14, 15/16 e 16/17), um Torneio "Taça de Portugal" (13/14) e o Torneio Internacional "Quatro Cidades" (15/16) - este último com uma vitória sobre o proclamado "campeão do Norte", o FC Porto, por 9-0!

O Benfica conseguiu grandes resultados neste campo. Rubricou uma série de 13 triunfos consecutivos (59-10 em golos); no total dos 38 encontros que aí disputou, venceu 28, empatou 6 e perdeu outros 6; em matéria de golos, registou a excelente marca de 130 marcados e apenas 40 sofridos, com destaque para o facto de apenas ter ficado uma vez em branco (26/02/1916).

Abandono do Campo de Sete Rios

Em 17/09/1916, definiu-se com os Desportos de Benfica as bases para a junção de ambas as instituições, tendo ficado ressalvado que, apesar da sede da Avenida Gomes Pereira possuir um campo atlético (nas traseiras), continuar-se-ia com o campo de Sete Rios - por ser mais central - até se apurar se os encargos dessa manutenção poderiam, ou não, trazer vantagens. Sucedeu, todavia, que o senhorio, em 20 e 26/06/1917 (alguns meses antes de terminar o contrato de arrendamento), dirigiu duas cartas à direcção do Benfica, pedindo a indicação do local, dia e hora a que poderia ser recebido, com o objectivo de "combinar algumas alterações a fazer no contrato para novo período de arrendamento, a começar em 1 de Janeiro de 1918".

As alterações foram depois escritas nos seguintes termos: a renda anual passava a 650$00; as contribuições (mais de 40$00 por ano) ficavam a cargo do arrendatário; benfeitorias e obras efectuadas, ou a efectuar, fossem de que material fossem, seriam pertença do senhorio; o arrendatário ficaria obrigado a retirar, ou, pelo menos, espalhar uniformemente, por todo o terreno, caso o senhorio o desejasse, o entulho que se recebera no campo e que estava a formar a elevação do lado da geral; o contrato seria por três anos, sem que o arrendatário tivesse direito a indemnização no caso de o terreno, ou parte dele, ser expropriado pela Câmara Municipal.

Estas condições foram consideradas absolutamente inaceitáveis por todos os directores presentes na reunião de 13/08/1917. Em 31 de Dezembro do mesmo ano, a direcção decidiu, procurando resolver da melhor forma o problema que o senhorio criara, abandonar Sete-Rios e remediar-se com o campo de Benfica, depois de convenientemente adaptado. O último jogo realizou-se em 07/07/1917, com o V. Setúbal (V 3-2). O Benfica mudava-se, então, para a Quinta de Marrocos, nas traseiras da Avenida Gomes Pereira, onde possuía uma ampla sede desde 17/09/1916 (anteriores instalações dos Desportos de Benfica)


Actualmente, o espaço de Sete-Rios onde o nosso Clube jogou foi sacrificado à expansão urbana de Lisboa para norte, estando ocupado por prédios e respectivos quintais, no quarteirão delimitado pela rua Prof. Lima Basto (antiga Estrada de Palhavã), rua Dr. António Granjo, rua Dr. António Martins e linha de cintura interna dos caminhos-de-ferro, junto à estação de Sete-Rios. Após 4 temporadas de glória, o clube regressava novamente a Benfica, recolhendo os "frutos da semente" que por lá deixara, quando partira em 1911.




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